A ideia fundamental de Ronald Dworkin é que a religiosidade é um fenômeno mais profundo do que o teísmo.
O filósofo Ronald Dworkin é bastante conhecido pelo seu trabalho em filosofia do direito, sendo mesmo o segundo acadêmico estadunidense mais citado na área do direito ao longo do século 20. Nesta obra, Dworkin se aventura em terras além desta área de conforto, mas com pleno sucesso.
Em dezembro de 2011, Dworkin proferiu uma série de conferências sobre religião na Universidade de Bern. Seu plano era ampliar sua abordagem do tema ao longo de vários anos. No entanto, em meados de 2012 o autor veio a adoecer, e só pode completar umas poucas revisões antes da sua morte em fevereiro de 2013. Ainda assim, o resultado é surpreendente pela pertinência da proposta.
A ideia fundamental de Dworkin é que a religiosidade é um fenômeno mais profundo do que o teísmo, pois o teísmo se funda na crença de que deus assina embaixo de uma série de valores, o que abre caminho para que se assine embaixo dos mesmos valores sem crer em deus. Dado que o teísmo se apresenta como importante pela aceitação de um conjunto de valores, não há problema algum no ateísmo se mostrar do mesmo modo pela mesma razão. A religiosidade está na corroboração dos valores, não na crença em deus. Assim, há algo mais fundamental que une teístas e ateus, ainda que a crença em deus os separe.
A atitude de Albert Einstein ante a religião exemplifica bem a posição de Dworkin. Einstein se via como um homem profundamente religioso, embora não acreditasse em nenhum deus pessoal. Sua religiosidade emana de duas avaliações. Primeiro, da consideração do ser humano como algo digno de respeito e cuidado. Segundo, da consideração da natureza como algo sublime. “Sublime” não é um predicado da física, assim como “respeito” e “cuidado” não são predicados das ciências duras. Se quisermos dizer que as ciências duras lidam com tudo o que há de natural, a posição de Einstein exemplifica o compromisso com algo que é bem descrito como sobrenatural. Mas esse compromisso com algo além do assunto das ciências duras não é, por si só, teísmo. Eis o ponto de Dworkin.
Assim, “ateu religioso” não é um oximoro. O território da religiosidade pode ser ampliado a ponto de abranger o território do ateísmo, e com isso ganhamos um terreno comum que poderia aliviar a verdadeira guerra cultural entre ateus e beatos. Enquanto os fanáticos religiosos têm amplo espaço nas estruturas de poder, ateus profissionais têm amplo sucesso editorial. O cenário se apresenta como de grande divisão, mas poderia ser diferente, se o terreno comum da religiosidade fosse devidamente reconhecido.
“A guerra religiosa, tal como o câncer, é uma maldição da nossa espécie.” Ao escrever isso no capítulo 1 do livro, Dworkin toma para si uma tarefa da qual os filósofos políticos têm se ocupado ao menos desde o século 17. O horror da guerra civil de inspiração religiosa levou Hobbes a buscar uma base comum, independente da fé, para a sociedade. Ante as atrocidades cometidas pelos fieis, Spinoza se viu obrigado a detalhar o quanto as igrejas se manifestam falsamente religiosas, antecipando assim o trabalho de um filósofo contemporâneo que merece (e já recebeu) uma resenha própria, Mark Johnston. Ante os assassinatos cometidos em nome de deus, Locke falou em nome da tolerância. Assim, ante o horror e o genocídio de origem religiosa, Dworkin simplesmente está fazendo o que um filósofo tem que fazer: buscar a paz.
O caminho de Dworkin para a paz é o reconhecimento de que dois valores têm uma realidade plena e independente de qualquer um, incluindo deus. Primeiro, o reconhecimento da importância e significado da vida humana. Segundo, o reconhecimento de que a natureza é sublime, além de ser tudo o que a biologia, a química e a física diz que ela é. Em suma, o compromisso com tais valores é o reconhecimento da importância da biografia de cada ser humano, e do vínculo do ser biológico de cada um com o universo como um todo. Ele chama isso de religiosidade, e não vejo porque tal religiosidade deva ser considerada alienígena ao ateísmo.
::: Religion without God :::
::: Ronald Dworkin :::
::: Harvard University Press, 2013, 193 páginas :::
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