Melhores Livros de 2014
18 livros indispensáveis. Obras de literatura brasileira, estrangeira, filosofia, história, economia e sociologia comentadas por nossa equipe.
De acordo com colaboradores do Amálgama e autores convidados, esses são os melhores livros do ano de 2014 publicados no Brasil:
Literatura brasileira – Terra avulsa, de Altair Martins; Parafilias, de Alexandre Marques Rodrigues; Nós vós elas, de Sabrina Sanfelice; O outro lado da sombra, de Mariana Portella; Dia de matar porco, de Charles Kiefer; Aspades ETs etc., de Fernando Monteiro; O evangelho segundo Hitler, de Marcos Peres
Literatura estrangeira – A festa da insignificância, de Milan Kundera; Vida e destino, de Vassili Grossman; Os luminares, de Eleanor Catton; Americanah, de Chimamanda Ngozi Adichie
Filosofia – Razão de Estado e outros estados da razão, de Roberto Romano; Pensadores da Nova Esquerda, de Roger Scruton; O liberalismo: Antigo e moderno, de José Guilherme Merquior
História – O labirinto da solidão, de Octavio Paz; O peso da responsabilidade, de Tony Judt
Economia – O capital no século XXI, de Thomas Piketty
Sociologia – Um país chamado favela, de Renato Meirelles e Celso Athayde
A relação inclui um romance lançado na segunda metade de 2013.
Abaixo, comentários sobre cada um dos livros. Boa leitura!
Terra avulsa, de Altair Martins
(Record, 380 páginas)
por Rafael Bán Jacobsen, escritor e colaborador do Amálgama
No seu mais recente romance, o premiadíssimo Altair Martins fala de diversos temas – isolamento, relações familiares, amores nascentes, política latino-americana, tradução e fotografia – para, no final das contas, falar de literatura: para que ela serve? Como nasce o texto? Qual a distância que separa autor e leitor? E talvez a mais fundamental (e mais ousada e mais irrespondível) de todas as perguntas: o que é literatura? Logo no início do livro, o protagonista (um professor e tradutor que busca sua própria poesia ao mesmo tempo em que busca afastar-se do mundo) revela sua predileção pela hipálage, figura de linguagem que se caracteriza pelo desajustamento entre a função gramatical e a função lógica das palavras, o que ocorre, por exemplo, quando se atribui a um substantivo uma qualidade que pertence a outro. E assim, através de múltiplas transposições de sentidos entre as temáticas contidas no romance, sempre em linguagem exuberante e imagética (“porque a linguagem é a primeira que sangra”), o autor acaba por cunhar uma definição tão precisa quanto fluida: “literatura é procurar a mãe na casa dos outros”.
O evangelho segundo Hitler, de Marcos Peres
(Record, 352 páginas)
por Luiz Biajoni, escritor e colaborador do Amálgama
Creio que entre 2013 e 2014 li mais livros de autores nacionais contemporâneos, publicados ou não, do que nos últimos 10 anos. A literatura nacional está em ótima fase, de afirmação. Assim, digo que O evangelho segundo Hitler, de Marcos Peres, foi uma das melhores surpresas do ano. Com grande imaginação e conhecimento do que escreve, coloca um homônimo de Jorge Luis Borges no encalço do velho escritor, por saber que ele, o real Borges, foi o responsável pelo início do nazismo (!). Recomendo com entusiasmo.
A festa da insignificância, de Milan Kundera
(Cia das Letras, 136 páginas)
por Rafael Gallo, escritor
Há vários livros lançados em 2014 que gostei bastante e, entre eles, A festa da insignificância, do Milan Kundera, foi uma leitura muito especial para mim. Kundera fazia parte da minha lista de “autores obrigatórios que ainda não li” até pegar esse livro nas mãos e devorá-lo rapidamente. Daí em diante, fiquei fissurado, comprei várias obras dele e estou lendo após outra (recomendo também A arte do romance, com toda ênfase possível). O que me fisgou, principalmente, é o quanto ele consegue ter pensamentos muito inteligentes sobre grandes temas e sua habilidade em expô-los, de forma limpa e concentrada. Mesmo algumas cenas banais têm um alto poder de proporcionar reflexões e provocações. O primeiro trecho, por exemplo, mostra um personagem olhando para as mulheres que passam, especialmente aquelas com umbigo de fora. O que poderia ser apenas uma série de “secadas” se transforma em uma reflexão sobre o desejo, sua construção cultural e um questionamento quanto à formação de teses filosóficas, especialmente em relação à possibilidade de se forjar quaisquer explicações convenientes para determinados pontos de vista. Tudo isso em menos de uma página e meia. Brilhante.
O labirinto da solidão, de Octavio Paz
(Cosac Naify, 320 páginas)
por Vinícius Justo, mestre em Letras (USP) e colaborador do Amálgama
Um livro ótimo de 2014 é a tradução de um clássico publicado em 1950. Por quê? Resgatar a importância da obra de Octavio Paz, como tem feito a Cosac Naify, é uma tarefa muito bem-vinda – melhor ainda com uma tradução cuidadosa feita por Ari Roitman e Paulina Wacht. O labirinto da solidão é uma tentativa, um ensaio de compreensão de um país complexo e, em última instância, irredutível a conceitos simples. O México de Paz surge colorido, aprofundado e instigante na leitura de cada um de seus capítulos – com destaque para “Os filhos da Malinche”, centro do livro ao redor do qual orbitam os temas do pachuco, do misticismo mexicano, da herança azteca, da Revolução de 1910 e, posteriormente, o massacre de Tlatelolco. Leitura obrigatória não apenas para interessados na obra de Paz, ou no México, ou na América Latina, mas para todos que gostam de uma reflexão sobre símbolos, arquétipos e construções ficcionais que ajudam a compreender fenômenos como a nacionalidade.
Parafilias, de Alexandre Marques Rodrigues
(Record, 160 páginas)
por Sérgio Tavares, escritor, jornalista e colaborador do Amálgama
Sim, uma estreia premiada, mas, sobretudo, uma estreia que impressiona pelo domínio técnico e pela potência da prosa. Contos maiúsculos, da safra que emula uma unidade temática, cujo gatilho são situações de conflito doméstico imanizadas por tensões sexuais e incidências literárias. Sexo é literatura, o léxico são as pulsões do corpo. Marques manipula as palavras a favor de um artesanato literário que reverencia a ficção, mas que retrata um mundo contemporâneo, onde sopra uma aragem distópica sobre personagens presos a vazios compensados com prazeres mecânicos. Um livro que deve ser lido não pela chancela do Prêmio Sesc. Um livro que deve ser lido.
Nós vós elas, de Sabrina Sanfelice
(Patuá, 120 páginas)
por Bruna Gonçalves, revisora, tradutora e colaboradora do Amálgama
Este ano li cerca de 60 livros, dentre os quais, admito, pouquíssimos haviam sido lançados em 2014. Contudo, mesmo assim, duvido que se fosse diferente eu me depararia com outra obra de tão grande beleza, com personagens tão ricos, e tão intimista quanto o livro de estreia de Sabrina Sanfelice, Nós vós elas. Dividida em contos sobre mulheres, esta obra é um diálogo intrínseco ao leitor, uma viagem ao universo feminino e uma encantadora surpresa da literatura contemporânea brasileira.
Aspades ETs etc., Fernando Monteiro
(Cesárea, 159 páginas)
por Priscilla Campos, jornalista da revista Continente (PE)
Ainda mantenho uma relação de proximidade cotidiana e interação carinhosa com o livro físico, mas não há dúvidas de que é preciso celebrar o crescimento mercadológico do tal e-book. Em 2014, a plataforma foi responsável por proporcionar a minha leitura do ano: Aspades ETs etc., de Fernando Monteiro. A reedição do livro (escrito em 1995), proposta pela editora Cesárea, trouxe consigo a oportunidade de oferecer a literatura feita por Fernando a novos leitores. Fundada em ruínas, a escrita do pernambucano é confusa por opção e mérito. Entre o que é tido como “real” e o que não-está-ali, a narrativa lembra um tipo de mundo belo, devastado e esquecido. Fernando consegue delimitar a sua própria explosão literária de maneira certeira, dissertando sobre ETs, Hilda Hilst, Pasolini, aeroportos, domingos e relacionamentos (ou ausência deles). O cineasta português Vasco Aspades do Carmo tem traços de Doutor Pasavento, uma figura que dialoga com a “arte de desaparecer” e mesmo assim – ou por causa disso – torna-se um personagem de fácil obsessão por parte do leitor. Das leituras mais instigantes dos últimos tempos por aqui.
O capital no século XXI, de Thomas Piketty
(Intrínseca, 672 páginas)
por Paulo Roberto Silva, mestre em Integração da América Latina (USP) e colaborador do Amálgama
Vale pela análise detalhada de dados que remontam ao século XVIII para entender a estrutura econômica da desigualdade. Vale por mexer com paradigmas consolidados no entendimento sobre a desigua, da economia neoclássica à marxista, sem medo de dizer que este ou aquele cabeção estava errado. E vale pela leveza do texto: os franceses sabem fazer com que as coisas mais simples pareçam inteligentes.
Vida e destino, de Vassili Grossman
(Alfaguara, 920 páginas)
por Rodrigo Gurgel, crítico literário e autor, mais recentemente, de Muita retórica, pouca literatura
O principal lançamento de 2014 é Vida e destino, de Vassili Grossman. Trata-se de um épico sobre a importância da liberdade; crítica lúcida ao nazismo e ao comunismo, irmãos siameses cujo terror insiste em nos perseguir, mas que se apresentam como construtores do paraíso na terra. Romance que não se submete ao niilismo ou ao relativismo moral dos nossos tempos — e nega que o ser humano esteja fadado à desgraça, podendo lutar para cumprir, com dignidade, a fortuna de viver. Um livro capaz de mostrar, inclusive aos eternos escritores pessimistas, que coragem e bondade são virtudes possíveis, ainda que em meio à destruição.
O outro lado da sombra, de Mariana Portella
(Rocco, 208 páginas)
por Gustavo Melo Czekster, mestre em Literatura Comparada (UFRGS), escritor e colaborador do Amálgama
A maioria dos livros memoráveis que li em 2014 foi escrita em outros anos, o que depõe contra a qualidade da literatura atual, mais ocupada em platitudes e jogos estéreis de palavras do que em contar uma história. Contudo, entre os muitos livros lidos no decorrer do ano, um deles se destacou positivamente: O outro lado da sombra, de Mariana Portella. Escapando das ideias repletas de clichê, a obra mergulha fundo na filosofia, trazendo à tona questões existenciais aliadas a uma história poderosa. Não é fácil dosar reflexões profundas com uma trama interessante, mas a autora conseguiu isto com grande sucesso, ao ponto de não soar cansativa e nem óbvia. Na primeira metade do livro, o protagonista, Soren, viaja para Dublin, envolvido por questões pessoais e por um passado que insiste em lhe assombrar. Na segunda metade, em coma, ele é obrigado a confrontar os seus maiores medos e dúvidas, em um movimento interno de autodestruição e de autoconhecimento que se assemelha à jornada de Dante na Divina comédia. É um livro que não subestima a inteligência do leitor, mostrando que a literatura não precisa ser engraçada ou simplória para conquistar, ela pode – e deve – ser uma forma de arte, não um mero entretenimento.
Os luminares, de Eleanor Catton
(Biblioteca Azul, 888 páginas)
por Douglas Marques, psicólogo e colaborador do Amálgama
Há algo a ser aprendido com muitos autores estrangeiros e que os brasileiros parecem não compreender e relegar, sabe-se lá por qual razão, ao limbo da literatura: o prodigioso poder da criatividade. Em Os luminares, da neozelandesa Eleanor Catton, este artifício imaginativo presente em todos nós é lapidado com um perfeccionismo de proporções monumentais – são mais de 800 páginas de conspirações e reviravoltas tendo por base os doze signos do zodíaco e as posições das estrelas no céu da Nova Zelândia de 1865. Um trabalho árduo recompensado com o Man Booker Prize de 2013. É um romance histórico, mas também sobrenatural. É narrativa detetivesca e de aventura ao mesmo tempo. Em seus doze capítulos há espaço suficiente para traficantes de ópio, prostitutas, assassinos, sessões espiritas, complôs, viajantes, trapaceiros e cartas que nunca chegam ao destino. Todos coexistem na prosa fluida e poética de Eleanor, daquelas que você só para quando acaba e censura a si próprio por ter lido tão depressa. E, para instigar ainda mais o leitor, ao início de cada capítulo há um resumo dickensiano do que está por vir – “Em que um estranho chega a Hokitika; um conselho secreto é perturbado; Walter Moody esconde sua memória mais recente; e Thomas Balfour começa a contar uma história”, diz o do primeiro. Acima de tudo, Os luminares é entretenimento dos bons. E não há mal algum nisso, meus amigos.
Um país chamado favela, de Renato Meirelles e Celso Athayde
(Gente, 168 páginas)
por Joel Pinheiro, mestre em Filosofia (USP)
A maioria de nós conhece a favela pelo lado de fora. Se tivermos prestado atenção, notamos que a paisagem mudou. Os barracos de madeira de outrora há tempos deram lugar à alvenaria. Hoje em dia, casas com reboco e pintura externa tornam-se frequentes. Um país chamado favela, de Renato Meirelles e Celso Athayde, narra um pouco da história e da transformação das favelas brasileiras, só que vistas por dentro: com foco em seus personagens, suas experiências e, felizmente, muitos dados. Dados que permitem contar uma história de ascensão econômica e de um desenvolvimento alheio ao controle estatal e dos grandes projetos empresariais. Os 12 milhões de habitantes das favelas do Brasil não são pobres coitados à espera de ajuda. Suas vizinhanças não são chagas urbanas no aguardo de demolição. A enorme pesquisa que o livro sintetiza revela um mundo vibrante de trabalho, oportunidade e espírito empreendedor; que alia risco a otimismo. O PIB total das favelas brasileiras chega a R$ 64,5 bilhões. Isso se traduz no consumo: TVs de tela plana, internet (com wifi partilhado com vizinhos), smart phones, carros e motos, serviços de todo o tipo: bares, lojas, restaurantes, casas de show, salões de beleza. Também são interessantes as reflexões dos autores sobre a riqueza daquele “urbanismo” não-planejado: vizinhanças densas, que promovem o contato humano e o surgimento de particularidades, lugares em sentido pleno, em oposição ao mundo padronizado do asfalto. Por isso, mesmo com o progresso econômico, a maioria dos moradores tem orgulho de onde vive e não quer se mudar. A favela que o livro nos convida a conhecer não é problema a ser extirpado, relocado ou substituído por condomínios. Se precisam de ajuda? Em alguns aspectos, sim; uma ajuda que não pretenda dizer o que é o melhor para eles. Em outros, têm algo a nos ensinar.
O peso da responsabilidade, de Tony Judt
(Objetiva, 296 páginas)
por Sandro Vaia, jornalista, autor de biografias de Yoani Sánchez e Armênio Guedes
Tony Judt vasculhou intelectualmente a história das ideias que sacudiram a Europa no século XX, antes de morrer prematuramente aos 62 anos de esclerose lateral amiotrófica,em Nova York. Este ano a Objetiva lançou O peso da responsabilidade, onde Judt reuniu estudos sobre 3 intelectuais franceses – o socialista Leon Blum, o prêmio Nobel de Literatura Albert Camus, e o filósofo e professor Raymond Aron – nos quais resume os grandes dilemas morais que marcaram as escolhas e o engajamento político da intelectualidade européia, principalmente a francesa, nas grandes correntes de pensamento no período entre as duas grandes guerras e no imediato pós-guerra. Entre os três ensaios de Judt, um social-democrata declarado, provavelmente o que mais interesse possa despertar ao nosso debate intelectual tão raso quanto tardio são as posições polêmicas de Raymond Aron, autor de O ópio dos intelectuais, com relação às “incoerências insustentáveis” daqueles que se engajaram nas crenças do marxismo sem nunca tê-lo estudado. Explica Judt, referindo-se a Aron: “Seu anticomunismo tinha fontes muito diferentes. Como estudioso e admirador de Marx, ele não tinha nenhuma querela com aqueles que assumiam um interesse sustentado pela teoria social do século XIX. O problema era que a maioria dos esquerdistas franceses, a começar por Sartre, não tinha nenhum interesse sustentado desse tipo e eram de fato grotescamente ignorantes das próprias teorias que pretendiam defender e ilustrar”. Isso não faz parecer que aqui estamos chegando agora ao século XX?
Pensadores da Nova Esquerda, de Roger Scruton
(É Realizações, 336 páginas)
por Elton Flaubert, mestrando em História (UFPE) e colaborador do Amálgama
Há um grande déficit no mercado editorial do país, de livros que não participam do pequeno espectro dos totens da esquerda acadêmica. Este livro de 1986 de Roger Scruton já é um clássico da crítica à substância da esquerda. Já era tempo de ser traduzido, e coube à É Realizações o mérito. De Foucault a Lukács, passando por Gramsci e Habermas, Scruton vai desferindo golpes mortais através da combinação entre ironia mordaz e vigor conceitual. Quem em sua curta ou longa vida de estudos só teve acesso a uma pequena cultura, recheada de micro variações (na substância) entre Foucault e Marx, possui, neste livro, um convite e tanto para finalmente conhecer as críticas àquilo que sempre teve por verdade.
Americanah, de Chimamanda Ngozi Adichie
(Cia das Letras, 516 páginas)
por Luciano Sobral, mestrando na Harvard Kennedy School e colaborador do Amálgama
O romance me fez pensar mais sobre a imensamente interessante Nigéria, penteados como manifestos politicos, vida de imigrantes nos EUA e amores que ficam congelados no tempo.
Dia de matar porco, de Charles Kiefer
(Dublinense, 112 páginas)
por Daniela Langer, escritora
Dia de matar porco foi uma leitura que me causou grande impacto. Desde o primeiro capítulo é possível reconhecer a voz de Kiefer: sua poética, onde se percebe a medida exata entre forma e conteúdo. Ariosto Ducchese, narrador protagonista, é um personagem no limite: da morte, da sanidade, do controle. Porém, mesmo imerso neste limiar, ele tem o domínio sobre o leitor. Enquanto entramos no universo de Ariosto, somos envolvidos por suas desventuras e deixamos nossas certezas escorrerem pela poltrona, e a luz de leitura não é mais suficiente para percebermos as ambiguidades e contradições escondidas na história que ele nos conta. O resultado é a transformação. Do personagem e do leitor. Ao fecharmos o livro, é impossível terminarmos a leitura, levantarmos da poltrona, como nós mesmos. Alguma coisa, nos bons livros, nos transformam. É como diz Ariosto: “A vida-porco é também irrecuperável. A narração, com suas técnicas, com seus truques, esforça-se para imitar o porco”.
Razão de Estado e outros estados da razão, de Roberto Romano (Perspectiva, 294 páginas)
por Daniel Lopes, editor do Amálgama
Reunião de ensaios daquele que para mim é o maior filósofo brasileiro vivo. Em uma sentença, pode-se dizer que o livro é sobre o conflito entre a sociedade civil ou coisa aproximada (em suas diversas fases históricas) e o Estado com sua “razão” que induz ao engano, à vigilância e a medidas brutais. Dono de um vasto conhecimento de línguas clássicas e modernas, leitor dos livros fundamentais da filosofia ocidental em seus originais, Romano vai de ensaio em ensaio expondo as bases da doutrina da razão de Estado e seus efeitos práticos, do mundo clássico e medieval até o Ocidente contemporâneo (onde temos Patriot Act nos EUA, troikas econômicas na Europa etc.), passando, obviamente, pelos autoritarismos de direita e esquerda do século 20. Quando o autor fala da razão de Estado no século passado, o leitor muitas vezes associa (ou mescla) ao conceito aquele outro, que podemos chamar de “razão de Partido” – os casos soviético e nazista são os que mais vêm à mente. Mas qual não foi minha surpresa ao ver esse conceito martelando aqui na caixola enquanto lia Romano versando sobre a razão de Estado no mundo atual – que culpa tenho eu se acabamos de sair de uma campanha eleitoral sórdida, com uma das três principais candidaturas de qualidade bastante vagabunda? O foco na contemporaneidade, escreve o autor, sai do discurso político para a performance em entrevistas e debates; na nova mídia, na internet, o “movimento de massas virtuais” é determinado pela propaganda. E que culpa tenho eu se esses trechos foram cair logo na página 171?
O liberalismo: Antigo e moderno, de José Guilherme Merquior
(É Realizações, 384 páginas)
por Gabriel Trigueiro, doutorando em História Comparada (UFRJ) e colaborador do Amálgama
Reedição de um importantíssimo livro de 1991 que estava fora de catálogo – e talvez isso seja bem eloquente sobre o estado atual da cultura brasileira. O liberalismo é um estudo escrito com erudição e elegância sobre a genealogia de uma das principais tradições políticas e filosóficas do Ocidente. Merquior não se ocupa apenas da versão anglo-saxã do liberalismo. Ele analisa igualmente o papel de pensadores alemães, italianos e argentinos para a formação do cânone. Com uma capacidade analítica invejável, aliada a uma potência retórica de poucos, Merquior traça um panorama abrangente da tradição. Ele examina as raízes iluministas do liberalismo, antes de entrar naquilo que classifica como “Liberalismo Clássico (1780-1860)”, e chega até a obra de pensadores como Mises e Hayek. Ler essa obra é, a um só tempo, ficar triste com o grau de degeneração do debate público atual (já tivemos Merquior, hoje temos os colunistas da Veja) e animado com o leque variado de possibilidades intelectuais e políticas que ainda temos – a obra de José Guilherme Merquior, neste sentido, é um guia intelectual, moral e político mais que confiável.
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