Origens do sexo
Livro mostra a contribuição do Iluminismo para o avanço dos direitos das mulheres e da liberação sexual.
O título engana um pouco, eu esperava um estudo mais abrangente sobre o sexo, desde os primórdios, porém As origens do sexo: Uma primeira revolução sexual, de Faramerz Dabhoiwala, se concentra na análise de casos, fatos e relatos envolvendo sexo entre o século XVII e XIX, na Inglaterra. Nesse período, do início do Iluminismo ao início da Revolução Industrial, o Reino Unido tinha a menor taxa de analfabetismo e era considerada a região mais avançada do planeta. A partir dessa informação, constatamos, com espanto, o incrível obscurantismo em relação ao sexo.
E não apenas das autoridades constituídas ou religiosas: de boa parte da população, que fazia questão de denunciar, perseguir e, muitas vezes, fazer justiça com as próprias mãos, quando encontravam alguém cometendo adultério ou fazendo sexo sem matrimônio. Logo no início do livro, Dabhoiwala dá o tom da justiça pela qual os ingleses simpatizavam: “Quando Ann George foi flagrada certa tarde de verão fazendo sexo com um soldado no celeiro, ‘as pessoas da vizinhança pegaram-na e mergulharam-na num riacho, dizendo que se ela estava com calor, eles a refrescariam’”.
O livro mostra como a visão da sociedade vai mudando em relação ao sexo e a importância da arte neste processo. Elementos sexuais vão para a literatura e para o teatro, ampliando a discussão sobre o papel da mulher na sociedade e a responsabilidade do estado em questões de natureza íntima. Surgem autoras que colocam o ponto de vista feminino na peça artística, quebrando paradigmas. Um desses paradigmas, amplamente divulgado no início do século XVIII, dava conta, por exemplo, que “as mulheres eram o sexo mais lascivo. […] se tivessem a ousadia, todas as mulheres seriam promíscuas” e que “todas as mulheres secretamente desejavam ser violentadas”. É espantoso constatar que há quem pense assim ainda hoje, não?
A reconfiguração iluminista da masculinidade e da feminilidade deu origem a questionamentos éticos e sociais que forçaram legisladores e a opinião pública a discutir, no âmbito privado das leis ou dos jornais, os direitos das mulheres e das pessoas, de maneira geral, sobre o próprio corpo – embora a promiscuidade (e o homossexualismo) ainda fosse condenada.
“O último processo inglês por adultério como crime público parece ter acontecido em 1746”, informa o texto – e então vemos crescer os prostíbulos e nascerem as primeiras celebridades da mídia: prostitutas que enchiam de fantasias as cabeças dos leitores. As principais notícias dos jornais ingleses no período parecem ter sido as notícias de crimes e fofocas sobre prostitutas.
Os primeiros romances biográficos de sucesso contavam a vida de santos e de prostitutas. A maioria era de romances vendidos como “histórias reais” que tinham pouco ou nada de real. Um dos primeiros a alcançar grande sucesso foi Moll Flanders (1722), de Daniel Defoe, o autor de Robinson Crusoe. Defoe se dizia puritano e afirmava que a história do livro era real – e assim se mostrava grande mentiroso.
Moll Flanders abriu caminho para vários livros contando histórias de mulheres liberadas, devassas, inescrupulosas, que usavam o corpo para atingir objetivos; muitos deles escritos por mulheres, com pseudônimos masculinos ou não. Foram esses livros, de certa forma, que abriram caminho para a discreta liberação sexual e para a ampliação dos direitos das mulheres no século seguinte.
Recheado de histórias interessantes e ilustrações da época, As origens do sexo é uma boa opção de leitura para quem se interessa pelo tema. E quem é que não se interessa?