Livros inesquecíveis de Howard Jacobson, Kingsley Amis e Philip Roth
Se o autor do meu ano de 2013 foi Arthur Koestler (ensaios e memórias), o de 2014 foi alguém muito diferente: Howard Jacobson, maior romancista britânico vivo, e quem discorda tá errado.
O primeiro que li de Jacobson foi Zoo time (2012), mas foi a partir de The Finkler question (2010; livro que o salva de estar fora de catálogo no Brasil) que gamei de vez. Os três personagens principais entram num jogo neurótico de identidades (falsas, pretensas, almejadas) que envolve de tudo, inclusive golpes de linguagem. O romance é também uma bonita celebração da amizade que vence os obstáculos do tempo.
Pode-se classificar Jacobson como um comic writer, desde que se observe que o humor dele vai muito além da tradição inaugurada pelos Angry Young Men na Inglaterra de meados do século passado.
Eu queria escapar do lugar-comum de que, para o autor, humor é coisa séria, mas acontece que ele publicou nos anos 90 um livro de não ficção chamado Seriously funny: From the ridiculous to the sublime, cujo título diz tudo.
A maneira inventiva com que Jacobson traz religião, política e literatura para seus livros é magistral. Ele é politicamente incorreto? Pode apostar. Mas pode apostar também que ele sabe ser romântico, e é capaz de fazer você rir com momentos cômicos e quase chorar com momentos emotivos, não apenas no mesmo livro ou capítulo, mas no mesmo pequeno parágrafo, às vezes de uma frase para outra. Certa vez, ao lhe chamarem de “Philip Roth inglês”, Jacobson famosamente retrucou que preferia ser visto como um “Jane Austen judeu”.
Ao contrário de muitos romancistas da atualidade (e de quase todos os romancistas brasileiros), os personagens adultos de Jacobson, imaginem só os senhores, um dia tiveram infância. E não conheço nenhum autor contemporâneo que trabalhe a infância e a adolescência de forma tão marcante quanto Jacobson. Kalooki nights (2006), outro livro seu que li este ano, não me deixa mentir – a propósito, fazia muito tempo que não me divertia tanto com um romance de mais de 500 páginas.
Outras três leituras inesquecíveis de Jacobson foram: The making of Henry (2004) e dois romances de sua fase inicial, Redback (1986) e Peeping Tom (1984). Como alguém pode ter percebido, estou lendo sua obra da mais recente para a mais antiga, talvez pelo desejo inconsciente de depois reler tudo na ordem em que os livros foram escritos. O romance de estreia foi Coming from behind (1983), a caminho aqui de casa.
Como nasceu em 1942, vê-se que Jacobson estreou na literatura no começo da casa dos 40 anos. Ou seja, se algo, ele já iniciou a carreira nas letras como um angry middle-aged man. Ele poderia ou não ter escrito boas obras quando jovem, mas o fato é que nosso autor não é um saudosista dos seus vinte e tantos ou trinta e tantos anos. Em uma das entrevistas ou participações em festivais disponíveis no Youtube, ele conta da impaciência que tinha em sair logo da juventude e afirma que as opinião dos jovens sobre esse ou aquele outro assunto na verdade não lhe interessam, “unless they think like me”.
Howard Jacobson acabou me incentivando a finalmente ler Kingsley Amis (1922-1995), esse sim um dos nomes mais marcantes dos Angry Young Men. Por um desses mistérios insondáveis do mercado editorial, Kingsley nunca foi traduzido no Brasil, embora seja um escritor melhor que seu filho Martin.
Li primeiro Lucky Jim (1954), seu impactante romance de estreia, mas That uncertain feeling (1955) me marcou ainda mais. É a história do jovem e atabalhoado bibliotecário John Lewis, que acaba mesmerizado pela bela e rica (e casada) Elizabeth Gruffyd-Williams.
O breve One fat Englishman (1963) é impagável.
Tempo desses, fui apresentado a contragosto, pelos caçadores de ofensas nas redes sociais, ao crime de gordofobia. Bem, One fat, por assim dizer, abunda em gordofobia. Mas os caçadores de ofensas podem ler ainda assim, porque o livro também possui “humor contra o opressor” – o gordo, como se vê pelo título, é inglês; além disso, não se perdoa também os americanos (a história se passa numa faculdade do interior da Pensilvânia).
Por falar em americanos, li este ano dois divertidos romances de um dos meus escritores preferidos de todos os tempos, Philip Roth.
O primeiro foi Our gang (1971; não traduzido por aqui).
Os romances mais políticos de Roth, como Plot against America (2004), são o ponto fraco de sua obra na minha opinião. Eles se enquadram naquela categoria milloriana de livros que, quando largamos, não conseguimos mais pegar.
Our gang é político, mas no campo da sátira; é um curto e demolidor petardo contra Richard Nixon – ou melhor, contra o ambiente cultural que permitiu a ascensão de uma figura como Nixon. Os rompantes do líder Trick E. Dixon sobre guerra ou aborto são daqueles momentos imperecíveis da literatura americana.
My life as a man (1974; traduzido, mas há muito fora de catálogo) não é, em tese, um livro de humor. Romance “misógino” de Roth, com traços autobiográficos (como o autor confessaria em suas memórias), a obra é uma reflexão sobre o quão demolidoras do mais básico equilíbrio mental podem ser as relações íntimas.
Acontece que as vituperações de Maureen Tarnopol e as diversas situações dela com o marido feito refém das leis de divórcio Peter Tarnopol são tão absurdas que o efeito é em vários trechos cômico. Desafio o leitor a passar pelo livro sem alguns punhados de acesso de riso.
Daniel Lopes
Editor da Amálgama.
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