Longe de ser revolucionário, o partido representa uma nova elite política, de qualidade duvidosa.
Brendan O’Neill, The Spectator
Se você escutar algum amigo se referir à ascensão do Podemos na Espanha como uma revolução, por favor dê-lhe um dicionário de presente de natal. Longe de representar uma substituição do establishment político por uma nova e raivosa classe – que é o que uma revolução é – o sucesso do Podemos traduz simplesmente a emergência de um tipo diferente de elite política.
Vamos chamá-los de político-acadêmicos, ex-habitantes da torre de marfim que estão armados de PhDs ao invés de porretes, e que têm mais chance de instalar uma ditadura do professorado do que uma ditadura do proletariado.
Isso não nega a enormidade do que aconteceu. Que o Podemos tenha conseguido 20% dos votos é notável, considerando que esse partido anti-austeridade foi fundado há cerca de um ano atrás.
Mas o sucesso do Podemos diz mais da corrosão da antiga política bipartidária do que sobre a ascensão de uma política verdadeiramente nova, muito menos de um novo eleitorado.
A crise da antiga divisão direita-esquerda, que se manifesta de diversas formas pela Europa, é o verdadeiro motor dos eventos na Espanha, não o programa de governo do Podemos – que não é especialmente coerente.
Que não estamos presenciando a tomada das fortalezas do poder por um projeto revolucionário está claro tanto pelo rosto da liderança do Podemos quanto pelas ideias que ela promove: eles são acadêmicos, e suas ideias consistem principalmente do surrado programa intelectual da Nova Esquerda pós-ideológica, pós-industrial, pós-classes, que tem infestado a academia há 40 anos.
O Podemos foi forjado, não no calor de lutas de rua, mas em escritórios refrigerados de universidades. Seus líderes são palestrantes e pesquisadores. O líder do partido, Pablo Iglesias, passou a maior parte da vida na academia, longe da confusão das massas. Pense naquele sujeito de trinta-e-poucos que fez bacharelado, mestrado, doutorado e está agora engajado em alguma pesquisa patrocinada pela União Europeia sobre algo que ninguém entende ou se importa, e você estará pensando em Iglesias.
Com trinta e sete anos, Iglesias passou mais tempo estudando as massas do que esfregando ombros com elas. Como diz um relato, ele “estudou direito na Universidade Complutense antes de conseguir uma segunda graduação em ciência política. Depois, escreveu uma tese de doutorado sobre desobediência”. Antigamente, os radicais se engajavam em desobediência; agora eles escrevem doutorados sobre ela.
Foi na Complutense que Iglesias se conectou com outras “figuras chave” por trás do Podemos. Juntos, eles desenvolveram o plano de construir um partido, não através de conversa com a multidão, mas, veja só, “durante um jantar” na “universidade de verão”. Esses realmente são radicais festivos.
Não surpreende que seu pensamento esteja inteiramente alinhado com o ponto de vista da academia isolada. Eles são fortes em política identitária, em “salvar o planeta”, em ver as pessoas comuns como incapazes de lidar com ideias difíceis.
De fato, longe de ser ardentemente revolucionário, o Podemos minimiza as classes. Ele se inspira em pensadores acadêmicos que insistem que a esquerda “não deve mais focar na luta de classes”, e, por outro lado, deve buscar “unir grupos descontentes, tais como feministas, gays” etc. Esqueça o homem trabalhador – agora são blocos de identidade que importam.
Os festivos fundadores do Podemos são fãs de Antonio Gramsci, o marxista italiano cuja maior preocupação era o “maquinário que molda a opinião pública”. Tomado pela convicção gramsciana de que o povo é facilmente confundido pelos malvados homens da mídia, o Podemos resolveu manter sua mensagem para as massas “simples” e “emocionalmente engajadora”.
Pode-se quase sentir o odor do paternalismo. É aquela velha ladainha acadêmica de que Nós fazemos o pensamento difícil, enquanto Eles só conseguem lidar com pedaços de informação.
Uma das principais influencias acadêmicas do Podemos – o casal marxista Ernesto Laclau e Chantal Mouffe – acredita que a esquerda precisa de “um líder carismático que combata os poderosos em nome dos desfavorecidos”, e é isso que o Podemos tem feito. “Em nome dos”? As massas aqui são um exército de teatro, não um exército de verdade.
Também temos visto a ascensão do político-academismo na Grécia. As principais figuras do Syriza foram pegas em universidades, especialmente britânicas. “Como Universidades Britânicas Ajudaram a Moldar a Elite Política do Syriza”, disse uma manchete.
Mesmo Yanis Varoufakis, o ministro das Finanças que fez os cinquenta-e-tantos do Guardian tremerem de emoção, passou toda sua carreira em universidades, a maior parte de fora da Grécia, antes de ser escolhido por Tsipras para comandar a economia. Nenhuma quantidade de desmaios sobre o “revolucionário” Varoufakis pode disfarçar o fato de que ele é um palestrante político em jaqueta de couro.
Dado suas raízes acadêmicas, tanto Podemos quanto Syriza inevitavelmente contêm a contradição fatal que mora no coração da esquerda contemporânea: eles mostram desdém pela austeridade da Eurozona ao mesmo tempo em que aderem à mais austera ideologia de nosso temo – o ambientalismo.
É quase ilegal ser um acadêmico esses dias sem jurar fidelidade ao evangelho verde da restrição econômica, então naturalmente o político-academismo é profundamente verde. O Podemos quer “curar o meio ambiente”, inclusive pelo incentivo de produção local de alimentos. Isso está muito distante da celebração feita por Marx da globalização da produção levada a cabo pela classe capitalista, e sua conquista de maravilhas “que superam em muito as pirâmides do Egito, os aquedutos romanos e as catedrais góticas”.
Então, sim, não percamos sono com a crise da velha política. Mas devemos nos perguntar se a nova escolha que se apresenta – entre tecnocratas despreocupados e acadêmicos desligados – é mesmo muito melhor.
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