Mais do mesmo de Mario Sabino. Ou seja: leiam.
“Cartas de um antagonista: Jornalismo na selva selvagem brasileira”, de Mario Sabino (Record, 2016, 154 páginas)
Esse livro é uma pequena preciosidade que todo mundo deveria ter em casa. De certa forma, é um pedaço de O Antagonista, o site de Mario Sabino e Diogo Mainardi que praticamente já nasceu fazendo história – e nasceu há dois anos, no dia da segunda posse de Dilma; enquanto a imprensa cobria o evento com a pompa de quem cobre o coroamento de uma rainha, O Antagonista torcia para que aquele trambolho, que quebrara o país e contara com o saque à Petrobras para ser reeleita, descesse a rampa do Planalto o mais rápido possível, de preferência dando piruetas como Vampeta em 2002.
Abro um parêntese para lembrar que também aqui na Amálgama, em 1º de janeiro de 2015, publicamos um ótimo texto, “O impeachment de Dilma”, de Elton Flaubert. O editor orgulhoso fecha o parêntese.
O grosso das Cartas de um antagonista é de artigos breves escritos por Mario Sabino para a newsletter de seu site entre abril e setembro de 2016. O período cobre, portanto, a agonia final de Dilma Rousseff e do projeto lulopetista. E Mario desancou a presidente, seu partido e agregados sem piedade – mas também com a tranquilidade, a paz de espírito mesmo, de quem não foi um antipetista retardatário, como algumas versões jornalísticas de Marta Suplicy que vêm à cabeça.
De fato, Mario continuou no Antagonista a praticar seu espírito combativo de tempos de Veja – e o jornalismo antagonista de princípios é o único jornalismo de opinião que vale a pena ser lido.
Quando Robert Conquest (1917-2015) – o grande historiador britânico que havia sido dos primeiros a denunciar o Grande Terror stalinista, e, por isso, foi brutalmente difamado pela esquerda ocidental – estava atualizando muitos anos depois seu clássico The Great Terror, com documentos oficiais da União Soviética que comprovavam a matança stalinista, sua editora lhe perguntou se ele gostaria de sugerir um novo título para o livro. A resposta de Conquest acabaria virando ela mesma clássica: “How about ‘I Told You So, You Fucking Fools’?”.
Pois o título imaginado pelo velho Bob poderia tranquilamente ter sido adotado por Mario Sabino. Exceto que não existe nos seus textos qualquer tom arrogante. O que existe é o bom e indispensável sarrafo. Aliás, o cidadão que não votou no PT, os revoltados de última hora, são eles próprios alvos do autor. Quem não votou no PT em 2002, 2006, 2010, não poderia ter voltado para a toca após o fechamento das urnas, se eximindo da responsabilidade de fiscalizar e pressionar o poder de todas as formas possíveis, saindo em massa às ruas apenas quando a economia ficou em frangalhos e a corrupção revelada chegou a níveis pornográficos.
Essa crítica de Mário deriva de sua visão pessimista, ainda que, talvez, excessivamente fatalista, do Brasil como um todo. Não apenas somos responsáveis pela eleição dos patifes de Brasília – uma das Cartas lembra ao povo de Roraima que Romero Jucá é culpa dele, povo de Roraima –, como os patifes são um retrato da nossa sociedade.
Quando se observa o universo partidário, a fatalidade fica mais clara. PMDB, PT, PSDB, PP, PTB e que o mais for não são apenas siglas, e sim o sequenciamento de uma genética histórica infeliz. Os políticos brasileiros não estão divorciados da maioria dos eleitores, sejam eles pobres, remediados ou ricos. São a expressão máxima das suas ambições e dos seus apetites.
Mas a saída não é a reinvenção da roda, pela esquerda ou pela direita. A política é o problema, mas deve também ser a solução. O “anarcocapitalismo” da juventude libertária brasileira está, para Mario, no mesmo nível de delírio ideológico do anarcossocialismo do seu avô que saiu da Itália corrido por Mussolini. No artigo intitulado “Fuja de quem se vende como antipolítico”, Mario pega o exemplo de Trump, cujo “primeiro atributo é o mesmo de todos aqueles que afirma combater. Donald Trump mente para burro (…)” – o que não é uma opinião, e sim um fato.
Na maioria das vezes, a crítica de Mario aos mitos vagabundos do mundo político-policial é protocolar. Lula “é apenas outro ladrão que fingia ser o salvador da pátria, nessa história sem fim da roubalheira tradicional”; “com ele, atingimos o ápice da demagogia e da corrupção nesta terra pródiga em demagogia e corruptos”. A Petrobras “nasceu do nacionalismo econômico, o primeiro refúgio dos enganadores e corruptos. Temos de nos livrar da Petrobras”.
Mas às vezes o nível sobe. Os intelectuais petistas no início dos anos 90 debatiam se a democracia tinha “valor estratégico” ou “valor universal”, mas agora ficou claro “que, para o PT, a democracia sempre foi um valor monetário”; a Odebrecht, outra organização criminosa, não tinha simplesmente um departamento de propina: “O correto é afirmar que era composta por um núcleo de corrupção cercado de departamentos que lhe serviam de fachada para roubar dinheiro público”.
E em algumas vezes chegamos a lembrar que Mario Sabino é também ficcionista – tem dois livros de contos e dois romances. Não li nenhum, mas o tratamento com as palavras próprio dos craques fica evidente em trechos inesquecíveis das Cartas. Por exemplo, enquanto a então presidente se defendia no senado, Mario registrava que “Dilma é previsível, tentou ser patética, mas carece de sintaxe e, sobretudo, pathos. Não inspira simpatia ou comiseração. Pelas expressões dos senadores, desperta apenas estupor.” E “assim como uma obra de arte precisa de pathos para atravessar o tempo, um político dele necessita para ser absolvido, se não no presente, pela posteridade”. Razão adicional, como se fosse preciso, para que Dilma seja condenada pelo tribunal da história.
Mas antes, como já enunciaram os antagonistas e a imprensa fã de mitologia finge não saber, ela deverá ser condenada pela primeira instância no Paraná.
Daniel Lopes
Editor da Amálgama.
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