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Olavo é o guru do governo Bolsonaro? Sim e não

por Rafael Guedes (22/12/2019)

O prestidigitador da Virginia tornou-se especialista na honestíssima arte de não parecer o que de fato é.

O ex-astrólogo, ex-jornalista, ex-analista político e atual youtuber bolsonarista Olavo de Carvalho, segundo ele mesmo, é dono de um poder que a longo prazo é capaz de moldar a cultura e, por consequência, a alma de um país. Quando analistas da grande mídia afirmam, por exemplo, que ele quer tomar o poder político por meio de Bolsonaro, o dublê de filósofo reage com a resposta de sempre: “O meu poder é de outra ordem. É um poder que vocês nunca vão entender.” Sim, ele está falando a verdade. Olavo de Carvalho não quer o poder político tal como hoje se apresenta. Ele quer – e, em parte, já tem – um poder muitíssimo maior.

A principal inspiração desse poder vem de uma concepção de sociedade ligada às chamadas “sociedades tradicionais”, que se dividiam em quatro castas – a espiritual (formada pelos santos e sábios), a guerreira (formada pelos militares), a comerciante (formada pelos empresários) e a camponesa (formada pelos trabalhadores). Como ele saiu do esoterismo, mas o esoterismo não saiu dele, Olavo de Carvalho, segundo o seu próprio e modesto entender, acredita que ocupa um lugar na casta espiritual, a mais elevada. Não é por outra razão que ele bate sem dó nos militares: ele pensa que tem o direito adquirido de agir dessa forma, já que faz parte, ao menos em sua fantasia, da casta à qual todas as outras estão subordinadas de algum modo. Trocando em miúdos: ele (como suposto membro da casta espiritual) não quer o poder de Bolsonaro (membro da casta guerreira). Ele quer um poder maior que o de Bolsonaro.

O problema é que o poder de Olavo de Carvalho está muitíssimo mais relacionado às artimanhas de Satanás do que ao nobre desejo de libertar e iluminar a consciência de uma nação. O prestidigitador da Virginia, tal como o demônio, tornou-se especialista na honestíssima arte de não parecer o que de fato é.

Ele jura de cascos juntos, por exemplo, que não é guru do governo Bolsonaro. Na teoria, “de iure”, realmente não é, pois não existe nenhum documento que afirme algo do tipo “A partir de hoje Olavo de Carvalho é o guru do governo Bolsonaro”, nem existe qualquer declaração do presidente ou do próprio ideólogo que diga o mesmo. Mas na prática, “de facto”, ele é, sim, o guru do governo Bolsonaro. Isso quer dizer que o sedizente filósofo planeja tudo de lá de cima e, em seguida, distribui ordens aos seus acólitos que parasitam a burocracia governamental?

Não, pelo amor de Deus, não.

Olavo de Carvalho, antes de mais nada, é professor e inspiração para algumas das pessoas mais importantes que agora “ocupam espaço” na política brasileira. E, como todo professor, exerce uma inevitável e natural influência sobre os que, digamos assim, aprendem com ele. Se ele disser, por exemplo, “Precisamos destruir a esquerda”, há uma enorme chance de a maioria de seus alunos concordar que é necessário destruir a esquerda, e, por consequência, há uma chance igual de o governo Bolsonaro entender que precisa destruir a esquerda. A forma como funciona o “esquema” é muito simples: 1) O Olavo explica, 2) os alunos e seguidores que estão no governo concordam e 3) o governo se esforça para colocar em prática o que foi ensinado, com graus maiores ou menores de exatidão e sucesso, ainda que nem sempre o faça de modo consciente e deliberado.

Há algo de ilegal nisso? É claro que não. Mas isso tampouco permite ao ex-tripulante da barca egípcia lavar suas mãos e dizer: “Guru é a puta que os pariu”, porque, queira ou não, ele atua, sim, como o guru do governo, dentro de uma linha tênue que fica entre o informal e o formal.

Não importa que a influência do Mandrake da Virginia não atinja a todos os membros do governo. O que importa é que atinge pessoas-chave do círculo mais próximo de Bolsonaro, como os filhos do presidente, Eduardo e Carlos; o assessor para Assuntos Internacionais, Filipe G. Martins; o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo; e os irmãos Abraham e Arthur Weintraub, respectivamente ministro da Educação e assessor especial do presidente. Isso para não falar em muitos outros alunos, seguidores ou meros admiradores que também se atracam ao governo para incrementar a renda familiar e, se der tempo, fazer a “revolução conservadora”.

De acordo com os relatos dos Padres do Deserto, como são conhecidos os eremitas que viveram no Egito durante os séculos III e IV, Satanás geralmente se manifesta como um anjo de luz repleto de beleza. O demônio por acaso é tolo para se manifestar como um monstro horrendo e, assim, espantar os incautos que deseja seduzir? E Olavo de Carvalho por acaso é bobo para se afirmar como o conselheiro de um governo quando pode exercer essa função sem parecer que a exerce? Enquanto não realiza o seu sonho secreto de tornar-se o “aiatolavo” de seu próprio califado tropical, Olavo de Carvalho se obriga a ser o guru da monarquia Bolsonaro, ainda que o negue dia e noite.

Rafael Guedes

Jornalista, ex-frequentador ocasional do Curso Online de Filosofia (COF) e, ao contrário de muitos de seus seguidores, leitor de quase todos os livros de Olavo de Carvalho.